10 de julho de 2011

ACOLHER O OUTRO, POR QUÊ?





                                         Porque tive fome, e destes-me de comer; tive sede, e destes-me de
                                                      beber; era estrangeiro e hospedastes-me;
                                                      Estava nu, e vestistes-me; adoeci, e visitastes-me; estive na prisão, 
                                                      e fostes ver-me. 
                                                                                                                                    Mateus 25 : 35-36.


Pensar na prática redentora do Bem como algo inerente à natureza humana, e que, paulatinamente, tem se tornado algo obsoleto nos dias atuais, constitui-se, para a preocupação de muitas pessoas de boa vontade, um paradoxo sem precedentes em um mundo, cujas fronteiras foram dizimadas em nome de um projeto geopolítico e geoeconômico denominado globalização. Realidades conflitantes, cujas forças antagônicas fraturam, sobremaneira, a compreensão de grupos de pessoas que buscam, incansavelmente, através do altruísmo verdadeiro, a construção de um mundo melhor; de uma sociedade igualitária, na qual os excluídos se sentam à mesa para terem, definitivamente, acesso ao alimento necessário à manutenção da vida; a todos nutrientes, sejam físicos, sejam espirituais, e que definem um ser na esfera da Humanidade;  populações, gentes, pessoas e indíviduos sem qualquer tipo de acepção e / ou preconceitos; sem utopias ou ilusões; sumariamente recebidos com respeito e com a dignidade que merecem. 
A civilização, demasiadamente midiática, na aurora do terceiro milênio, caminha na contramão da própria História, ao impedir, de todas as formas, aqueles, que são marginalizados sistematicamente, devido à pobreza, à miséria e ao abandono total da sociedade, de gozarem do direito pleno à cidadania em todos os seus aspectos. Se, por um lado, o mundo teve suas distâncias encurtadas, e, portanto, teoricamente, as diferenças econômicas e sociais entre povos e nações poderiam ser reduzidas em prol das populações carentes, por outro lado, o que se atesta é o contrário, pois a detenção de informação, cada vez mais concentrada nas mãos de pequenos grupos, tem gerado megapoderes, e que, em última análise, aumentou brutalmente o fosso que divisa pobres de ricos no planeta. O império do Ter não só consolidou suas bases em uma sociedade capitalista e neoliberal como também tem esmagado a pátria do Ser, cujos representantes são os emblemáticos homens e mulheres de boa vontade - padrão de conduta moral e de enlevo espiritual -. mas que não têm acolhida nas sociedades informacionais do século XXI.
O acolhimento do Outro, como atitude que nasce da sensatez de pessoas valorosas, deixara de ser uma prática baseada nos princípios universais do amor incondicional, da compaixão, e da comunhão profunda para se transformar no exercício do grande apelo às almas dadivosas a fim de que aquela ação não se esgote, ou seja esquecida, para sempre, na memória dos homens ditos pós-cibernéticos ou representantes da era digital, em que a tela fria dos personal computer rouba a cena nos tempos hodiernos, aprisiona milhares de mentes em mundos virtuais e desvia, de forma dantesca, o Homem de sua verdadeira essência: a de amar o próximo, praticando o bem, inconteste e incessantemente.
O acolhimento do Outro tem perdido espaços nas culturas modernas na proporção estrutural do Ter, que impõe o câmbio, os interesses e a conveniência como moedas principais para que as pessoas e o mundo, simultaneamente, com seus valores corrompidos existam, ainda que este cenário seja o mais bizarro na trajetória do Homem, nos anais da História. O Ser, por sua vez, em descrédito, se transforma na cédula desvalorizada, e que só tem valor nas mãos das pessoas de bem querer, que acreditam em um mundo mais justo e mais igualitário. Eis, portanto, a balança, com pesos, medidas e valores desiguais. O material se sobrepõe ao espiritual, e o imediatismo, filho dileto das paixões consumidoras e egoístas, entorpece as almas e as vicia em círculos pouco oxigenados. Assim, não há lugar para pregar o amor genuíno, que é fundamentado na prática do doar-se em detrimento de outrem sem esperar qualquer tipo de recebimento ou troca; antes, as lacunas estão preenchidas pelo individualismo, pelo excesso do eu e pelos discursos narcisistas. 
Apelar é chamar; é clamar; é perseverar na voz que é escutada, todos os dias, pela consciência de cada um. Desse modo, o apelo às pessoas para que o Bem seja um ato diário, constante e natural, na vida de todos os seres humanos, é o próprio ato de acolhimento que pode (deve) ser feito sem ser percebido, porque acolher o Outro, certamente, não causa dor em ninguém. Apelar se faz necessário para que o Ser sobreviva; e em sobrevivendo o Ser, sobrevive o Homem, já que o planeta cambaleia por causa de suas dores físicas e espirituais. Insistir na escuta inconfundível da voz da consciência é impedir o seu perecimento, e permitir, no amortecimento das verdadeiras ações do bem maior, o nascimento dos sentimentos torpes, e que afastam as criaturas da essência do Criador, que se consubstancia no amor sem fronteiras; a expressão máxima da Graça, que liberta, protege, redime e salva.
O Ter morre, mas o Ser é eterno. Entre a decadência dos valores humanos e o sonho, com pátrias e bandeiras de todas as cores, nas quais os alimentos chegam às bocas dos carentes, dos famintos e dos necessitados, há uma esperança: a de saber que a causa do acolhimento do Outro é a preservação da existência de quem acolhe. A fatura a ser liquidada não é a entrada gratuita no paraíso, mas a certeza de que o céu aparece diante dos olhos das pessoas que praticam o Bem e daquelas que insistem em viver encasteladas em seus desejos mais recônditos, omitindo-se, covardemente, para serem cúmplices da sombra da morte, que arrasta milhões de miseráveis para covas sem nomes. 
O Bem tem de ser praticado na vida diária enquanto o fôlego entra e sai das narinas do Homem; o clamor e o chamado para a prática do bem só têm razão de ser porque existem pessoas que podem(devem) fazer a diferença, pois haverá um dia em que o acolhimento não mais existirá porque Deus, em sua infinita misericórdia e bondade, deixará de acolher a todas as criaturas, indistintamente. O Mal não triunfará sobre o Bem, mas o juízo, sim, este será a medida de todas as coisas, de todas as pessoas: para aqueles que acolhem e para aqueles que são acolhidos. Quanto aos outros, resta-lhes, ainda, o apelo. É tempo de apelar; é tempo de chamar; é tempo de Acolher! 

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